quinta-feira, 8 de julho de 2010




ATIVIDADE BASTANTE COMPLICADA

Naturalmente, boa parte do sucesso dos haras de Bagé/Aceguá se deve à alta qualidade técnica dos veterinários e administradores que cuidam das cerca de 1.350 éguas que formam, com os seus produtos e o bom lote de garanhões, o maior e melhor núcleo da criação brasileira do cavalo de corrida. É de lá que sai anualmente um terço da produção nacional. Dentre muito os mais experientes e competentes está Walter Nunes Flores, que tive a ventura de conhecer quando ele apresentou o primeiro painel do primeiro congresso nacional do turfe. Um enorme volume de conhecimentos, explicitados por “slides” marcou o início de uma formidável sucessão de apresentações similares apresentadas por gente qualificada, abordando os mais variados assuntos sobre a criação do puro-sangue de corrida, e seguiram-se ao primeiro congresso realizado em São Paulo, um no Paraná e outro no Rio Grande do Sul, inclusive com a honrosa presença de Eduardo Bloussom, secretário geral da OSAF, um advogado argentino do maior prestígio.

Com o título “Criar cavalos de corrida é uma atividade bastante complicada”, Walter Nunes Flores publicou na revista Puro-Sangue Inglês, editada pela Associação Brasileira há quase 20 anos, mais um de seus preciosos trabalhos, o qual apresento a seguir:

Pode ser tão simples como fazer feijão e arroz ou tão sofisticada como tomar um scotch importado com caviar.

É lógico: se tu optares pelo feijão com arroz, o teu índice de erros é bem menor. Quanto mais liberdade podermos dar ao P.S.I., melhor, desde que esta liberdade seja administrada pelo homem.
O primeiro passo para criarmos bons cavalos é procurar um local próprio para que os cavalos nasçam, com espaço, para poderem se exercitarem naturalmente.

Aliados, o espaço e a topografia levemente ondulada, para que o terreno não seja muito úmido e não muito íngreme. Temos que ter um solo de boa qualidade, onde o pasto nativo e as pastagens cultivadas se desenvolvam muito bem.

O clima também é um grande aliado para a criação do cavalo de corridas, zonas temperadas onde predominam temperaturas abaixo de 20ºC são as ideais. Cavalos adoram o frio (não intenso demais), pois na presença deste, diminuem em muito as doenças, principalmente aquelas que afetam os potros recém nascidos.

O pasto ou pastagens, devem compor o básico da alimentação dos potros, éguas e garanhões, pois não podemos esquecer que eles são herbívoros. A ração de grãos e suplementos minerais devem ser apenas um complemento na dieta dos mesmos, e devem conter aqueles elementos (macro e micro) que não conseguimos fornecer através das pastagens. O Rio Grande do Sul, lugar em que trabalhamos há mais de 30 anos, é capaz de nos proporcionar tais condições, principalmente na região da fronteira, onde se destaca a zona Bagé/Aceguá, hoje a maior concentração de éguas P.S.I. do Brasil.

Os resultados de pistas conseguidos pelos potros criados nesta região do país é cada vez maior, atraindo novos haras - de grande porte -, para que se estabeleçam nestes municípios.

Hoje, a cidade de Bagé (nome de maior conceito dentro da criação brasileira) está dividida em outros dois municípios: Aceguá e Hulha Negra. Ficaram em Bagé os Haras Fronteira PAP, TNT, Old Friends, Lorolú Ltda, Simpatia, Bagé Horse etc; em Hulha Negra, Santa Amélia, Agrovin etc; e em Aceguá, Mondesir, Doce Vale, Santa Maria de Araras, Bagé do Sul, Espantoso, Castelo e Santa Ana do Rio Grande.

Voltando especificamente a criação do cavalo de corrida, o que queremos é criar o craque, o super craque, mas este infelizmente não tem regra, nem manual para seguirmos um caminho matemático.
O que todo criador busca, é criar o bom cavalo, aquele ganhador de preferência de provas clássicas. Por isso temos que dar muita atenção no que se refere ao plantel de éguas, garanhões e principalmente a um manejo muito bom no haras.

Não devemos ser o soldado do passo certo, na procura das fórmulas mirabolantes que às vezes dão resultados, mas normalmente atrapalham mais do que ajudam.

Depois de o local ser escolhido, o plantel básico ser formado, temos que formar uma boa equipe, para que o manejo dentro do haras seja o mais correto possível, sempre dando “ouvido” ao bom senso.
Nesta equipe, cada um deve ter sua função (veterinários, agrônomos, gerentes, cavalariços), todos devem puxar do mesmo lado da corda, para que os resultados sejam obtidos. É fundamental não esquecer que o mais importante de tudo é gostar muito, mas muito de cavalo e do cavalo de corrida.
Dentro do haras, a criação depende 70% do manejo - que vai desde a cobertura até a saída do potro para se iniciar na vida nos hipódromos.

As pastagens aqui na fronteira do Brasil, onde atuamos (Bagé/Aceguá), são prioritariamente de inverno e primavera, época em que o pasto nativo queima todo, devido às geadas que caem no final do outono e inverno, com temperaturas próximas do zero grau. As pastagens artificiais no verão são pouco usadas, pois esta região apresenta pastos nativos de excelentes qualidades, com muitas variedades de gramíneas e leguminosas.

As pastagens artificiais que são plantadas no outono, para que possam ser aproveitadas no inverno e primavera, época em que necessitamos de maior qualidade, pois as éguas estão com potros ao pé e quanto maior produção de leite, melhor será o potro por elas criados.

Os primeiros 6 meses de vida são importantíssimos para formação do esqueleto, afinal, 60% do tamanho final do potro é adquirido nesta época.

Ao desmame (6 meses) devemos ter potros com média de 280Kg de peso e 1,40m de altura, para obtermos cavalos adultos com 500Kg de peso e 1,65m de altura, em corrida.

O manejo com as éguas é essencial, desde que elas chegam do hipódromo para o haras, onde elas não serão mais um atleta, tornando-se, mãe.

A adaptação à nova vida tem que ser lenta, para que as mesmas não sofram muito o impacto da cocheira para o campo. Aos poucos vamos trocando, passando elas menos horas presas e mais horas soltas nos potreiros.

Como a estação de monta no Brasil começa nos meados de agosto, estas éguas virgens que vieram de corrida, acrescentamos uma ração rica em proteínas e energia. Com este manejo, as éguas vazias ou virgens devem começar a “ciclar” normalmente, como se estivessem na primavera (foto-período).

Este manejo é importante, pois teremos um número maior de potros nascidos no início da temporada, isto é, nos meses de julho e agosto. Como cada vez mais procuramos precocidade, animais que disputam e vençam aos 2 anos, quanto mais cedo nascerem os potros, melhor. Outra vantagem na precocidade é que na primeira campanha estão os prêmios mais atrativos.

Sob o aspecto físico é muito importante o nascimento no cedo, pois potros bem nascidos tem melhor imunidade e resistência às doenças respiratórias ou digestivas que se instalam no início do verão.
Atualmente, cada vez mais estamos numa luta para concentrar os nascimentos nos meses de inverno e início da primavera (julho, agosto e setembro). Com isso conseguimos lotes de potros mais harmônicos e saudáveis.

É lógico que o craque, aquele potro que não conhece a regra, é sempre uma exceção na criação, independente da época que nasce. Porém dados estatísticos nos permitem dizer que a maioria dos grandes cavalos nasceram nos meses de julho, agosto e setembro.

O desmame é feito aos 6 meses, data em que os melhores resultados são alcançados. Dos 6 meses a 1 ano, o cuidado com os aprumos é importante, época em que aparecem os maiores casos de alterações no eixo de aprumos dos potros em crescimento.

A maneira menos traumática de se proceder ao desmame é manter o potro no seu lote, e retirar a égua para um lote distante. Com este método, teremos menos “stress” no potro e um “stress” maior na égua. Os potros no primeiro dia após o desmame, perdem em média 10Kg; e as mães sofrem mais, chegando a perder em média 50Kg.

O potro em 5 dias recupera o seu peso de desmame, enquanto a égua leva aproximadamente 30 dias para conseguir o mesmo feito.

Potros que estão mamando, começam a receber ração aos 4 meses de idade. A ração de grãos e o feno de alfafa são fornecidos aos potros normalmente duas vezes ao dia, com um controle para que os mesmos não se tornarem obesos ou ao contrário, desnutridos (nem 8 nem 80).

Temos ideia que o cavalo gordo é bonito, o que não deixa de ser uma verdade, porém isto não nos assegura que teremos um bom esqueleto (que eu chamo de alicerce) para suportar um peso excessivo, afinal, estamos criando um atleta e não um animal para frigorífico.

Próximo dos 18 meses, começamos o período de cuida e doma racional (cuidadosa e paciente) e desta forma estaremos preparando os potrinhos para enfrentar uma nova fase na sua vida, o hipódromo. Sou partidário que esta primeira fase deva ser iniciada no haras, para que o “stress” da doma seja sentido com menor intensidade. Cavalos nos tiram bastante tempo para que possamos observá-los e analisá-los, separando suas individualidades, pois cavalos de corrida são indivíduos e não lotes. A doma sendo feita pelo pessoal que os viu nascer e crescer (que conhecem suas individualidades) tem muito mais chance de dar certo, do que a feita por profissionais que estão tendo os primeiros contatos com os potros e terminam a chamada doma em 30 dias. A equipe deve se manter unida e coesa, desde a confecção do primeiro degrau até o topo da escada, cada um fazendo a sua parte sem romper o elo da corrente. Aos 18 meses, os potros estão com seu esqueleto (alicerce) quase completo, e é aí que se começa a polir o diamante para transformá-lo em brilhante.

O complemento alimentar fornecido através dos grãos (aveia é a rainha) e o volumoso (a alfafa é a majestade), nesta ocasião passam a ter fundamental importância na alimentação dos potros. No período de cuida e doma, os potros ficam praticamente presos nas baias (boxes), para serem preparados. Sua maquiagem é feita, crinas são cerdiadas ou aparadas, o pêlo é escovado de duas a três vezes ao dia, banhos com shampoos são administrados, cascos são engraxados e aparados com maior freqüência, tudo em função de uma aparência mais bonita e saudável, para a festa que se aproxima, ou seja, os leilões.

Aqueles potros que não vão à venda, podem ser preparados com mais calma e tranqüilidade, sendo preparados mais tarde, todavia, eu pessoalmente não vejo muita vantagem em começar os potros bem criados muito tarde.

Os resultados nos mostram que com raras exceções, os melhores cavalos de corrida do Brasil criados nestas últimas décadas foram potros bastante precoces e que participaram com destaque na campanha dos 2 anos. A criação no Brasil melhorou muito, e estamos produzindo potros fisicamente maiores, com um grande número de animais correndo na casa dos 500Kg. Aprumos mais corretos e fortes, cavalos mais rústicos e resistentes, é o que procuramos em cada nova geração que criamos, mas nada disto tem importância se eles não forem corredores. A velocidade é a principal meta desta atividade linda, mas rotineira, e é atrás desta velocidade que estamos sempre em busca para suplantar-mos nossos próprios recordes.
MILTON LODI

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